São raros os momentos em que os bens mais preciosos são oferecidos, principalmente a quem deles mais necessita. Por entre todas as riquezas que mais ambicionamos talvez encontremos a arte de ler e escrever.
Consta que, no início do século XIX, o Colégio de S. José, em Macau, tinha falta de mestres, estando assim impedido de cumprir uma das suas mais nobres missões. Ao mesmo tempo, na mesma época, do outro lado do mundo, alguém criava um novo método de ensino, sem professores, e a pensar em todas as crianças que poucos meios possuíam para além dos que garantiam a sua mínima subsistência, fazendo da escola uma miragem.
Joseph Lancaster, na longínqua Bretanha, lançava as sementes de um novo método de ensino que germinava em diferentes terras espalhadas pelo mundo, incluindo a pequena península de Macau.
O Colégio de S. José fez publicar um breve aviso nas últimas linhas, da última página, do jornal de 30 de maio de 1823. Era quase uma breve nota de rodapé que A Abelha da China transportava pela Cidade, um jornal que poucos saberiam ler e muitos, quando o miravam, apenas vislumbravam linhas indecifráveis e colunas que se confundiam com manchas negras sem significado. Eram as últimas linhas de um conjunto de notícias sobre Macau, dirigidas aos que, também no último degrau, aguardavam a oportunidade, quiçá única, de serem os primeiros. Com este aviso, o Colégio anunciava mais uma tentativa para cumprir a sua missão de ensinar e Joseph Lancaster oferecia o caminho que haveria de ser seguido. No dia 2 de junho, daquele ano de 1823, Macau iria conhecer uma segunda-feira diferente, por certo mais iluminada. Avisavam-se os habitantes da Cidade que iria abrir uma Escola Publica de primeiras letras, recorrendo ao methodo de Ensino Mutuo: um professor ensinava um conjunto de alunos que, por sua vez, levavam a lição a outros alunos, dando origem a uma aprendizagem em cadeia, que procurava chegar a um número, sempre crescente, de crianças.
A escola era aberta a todos os meninos da Cidade, e sem nada contribuir para o Professor, porque o Governo disso se encarregaria. Excecionalmente, cada aluno apenas tinha de contribuir com uma simples pataca no início de cada trimestre, a começar no mês de julho, para suportar as despesas como cartas, papel, &a.. Mas, porque esta simples pataca significava riqueza para muitos, esta exceção tinha, também ela, uma outra exceção: Dos meninos pobres nada se exigirá.
Seguindo os ventos que sopravam do ocidente, aportava a Macau o ensino das primeiras letras, que iria agora chegar a todas as crianças da Cidade. Era o momento que lhes iria oferecer a possibilidade de lerem a sua terra, interpretarem a sua vida e escreverem a sua página no livro do mundo, daquele mundo que as aguardava num futuro próximo.
Texto de Alfredo Gomes Dias publicado na Newsletter de Maio de 2025 da Fundação Jorge Álvares.